segunda-feira, 17 de novembro de 2014

trinco

gosto do barulho pequeno das coisas: espelho de bolsa com trinco antigo, zíper de calça jeans, sapato de salto quadrado no chão de madeira, teclado desalinhado, bater colher-de-pau na borda da panela-de-ferro, o barulho das coisas pequenas: estralo, sussurro, grampeador, a chave girando na fechadura, ponteiro do relógio de pulso, tampa de rosquear no pote de vidro, rolha de vinho, o imenso barulho das coisas gigantes guardo na palma da mão, em cada concha, oceano, no peito, trovão.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

overloque

usar o avesso das coisas: 
camisa 
pele 
meia
palavra

a costura e o coração
aparentes

o lado certo é sempre pra dentro

segunda-feira, 7 de julho de 2014

acalanto

a sua geografia 
tátil
pele e sal
nascente
todos os rios 
fronteiras vãs
linhas equidistantes

 
decorei todos os mapas 
e marcas do seu corpo 
caminhos
desvios
rotas pra eu me perder


cartas topográficas de amor
desníveis
mundos sãos


quente o acalanto
brando
pra ninar o mar

sexta-feira, 13 de junho de 2014

caldo de legumes

ver ou não ver o jogo, indecisão shakespeariana , sol em libra, gêmeos no caminho, coisa de um quiz que fiz e me disse que eu seria hamlet nesse mundo paralelo astrológico em que somos todas essas coisas de testes de sites da nata da procrastinação cibernética, resolver assistir sim sem som ao som de é o tchan,

beber até brotar o rebolado, beber até esquecer a sua cara ou que dia é hoje, ou se hoje é ontem, achar graça de tudo e achar tudo tão triste, o amor não dói, achar que o chão é cama, achar que a cama é chão, questionar a iluminação e o excesso de roupa,

não entender por que o dedo sangra, por que as unhas não param de crescer, nem nariz, orelha, mas a gente sim, cachorro sim, planta sim, e se a gente nascesse no alto e crescesse pra baixo feito raiz, folha, madeira, o manjericão fica bom na caipirinha ou só no molho de tomate?,

tudo tão palpável, passou um furacão na cozinha, na sala, na vida, fechar o olho pra saber se venta, fechar o olho pra ouvir a sua voz, rir, 

fogos não trovão, fogão, potes e potes de brócolis, foda-se o gol, tanta gente pra alimentar, ficar bêbada de milho transgenico, mentiras, merda de cerveja, merda de jogo, merda de faca que tava aqui e não devia e cortou meu dedo que sangra e não cresce mais, nem cresce de novo, nem cresce pra baixo, cicatriz, 

fazer o arroz crescer na panela de pressão, a tesoura que corta o leite corta até cabelo, o vinho é de beber ou cozinhar, barato, o risoto cresce, o amor também, se a gente regar com carinho e caldo de legumes, 

terça-feira, 6 de maio de 2014

troco

café morno, meia-luz, céu cinza, caçar o troco pro ônibus, não esquecer a carteira, documento, cartão, celular, carregador, chaves, lencinho de nariz, um livro, dois cadernos, um lápis, volto pra casa hoje? e se eu mandar aquela mensagem dizendo que queria te ver? 

escova de dente, pasta, calcinha, corretivo, batom, outro vestido, uma banana e uma maça  dentro de um potinho, parece mala pra um mês, carregar a casa nas costas feito caracol mas ter que andar rápido demais, sentar no banco alto da janela que entra o vento, fechar os olhos por um tempo mas não tanto a ponto de perder o ponto de descer.

decidir enfrentar o dia de cara limpa, todo mundo tem olheira, orelha, um nariz puxado pra um lado, espinha saudosa dos quinze anos, todo mundo tem sono e normalmente fica bem melhor de batom, mas em dias nus, mostrar a cara que tem.

 maré alta, incompatibilidade astrológica, decidir te enfentar de cara limpa, em dias nus, mostrar a cara que tem.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

tupperware

nunca concordei com essa coisa de tampa da panela e metade da laranja, pra mim amor é uma gaveta da cozinha cheia de tupperware.
no começo você ainda insiste em achar a tampa única e original de cada pote, o tempo passa e a gente desiste rápido, compramos vários potes da mesma marca, achando que são idênticos e hão de encaixar perfeitamente, ilusão.
as tampas vão sumindo, os potes vão rachando, uns vão embora com uns amigos, bolos e docinhos de festa dentro, uns vem de outros com quitutes e acabam ficando.
percebe-se que os potes encaixam em outras tampas, de outras marcas, e até aquele que te trouxeram da argentina de presente anda tão feliz com a tampa da marinex. outros que fecham com uma folguinha e algumas divergências mas funcionam também.
todos tentamos e insistimos em encaixar algumas tampas várias vezes em potes que nunca encaixarão, faz parte. e não há desespero se não encontrar nenhuma tampa que encaixe, existem potes de sorvete, formas, papel alumínio, saquinhos plásticos e sempre dá pra fechar um pote com um papel filme.

o amor é uma gaveta da cozinha cheia de tupperware.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

avião

cheguei três horas antes do voo, aeroporto me deixa ansiosa, quarenta minutos no ar, em contas incertas: é quatro vezes e meia maior a espera, penso se a vida não é isso de esperar, esperar, esperar.

aprendi com a minha mãe a fazer palavra cruzada e mascar chicletes de canela, passatempo e companhia de poltronas e grandes saguões, viajar e vigiar as malas, tentar não observar as pessoas descaradamente, apesar da curiosidade tamanha.

sempre achei pilotos seres um tanto prepotentes achando ok colocar centenas de pessoas dentro de um negocio pesadíssimo de ferro que cismou de voar, não há contas, equações, princípios da física que me convençam que é normal e não mágico, é mágico.

comida de avião me dá gases e muita sede, não é triste partir, não é triste chegar, somos todos mais humanos depois do portão de embarque. tem tanta gente sozinha em aeroportos, rodoviárias, estações de trem, penso se viajar não é reaprender a ser só pra ser mundo.

faz pouco tempo que aceitei a ser ímpar, tinha terror a solidão assistida, sempre achei que nasci pra ser manada, rebanho,cardume, par, felicidades são intervalos de solidão compartilhada. hoje eu vou ao café e ocupo uma mesa de dois, eu como comigo, ocupo uma cama pra dois em um, eu durmo comigo, aprender a ser companhia de si antes de se propor a acompanhar alguém.

e ir assistir sozinha aquele filme daquele diretor esquisito as vezes te faz conhecer um moço, também sozinho, de risada gostosa e com o mesmo gosto cinematográfico duvidoso que você, ou escapar pra comer aquele bolo de laranja num café que só você gosta, te faz conhecer uma senhorinha que morou na cidade da sua vó e que resolve te dar um brinco lindo de pressão antiga, azul de concha.

viver é bom, partida e chegada, solidão, que nada.

terça-feira, 8 de abril de 2014

praga

te dei soco no estômago, tapa na cara, sapateei no seu calo, quebrei teu nariz, xinguei sua mãe e seu pai, amaldiçoei  todos os antepassados e os seus que virão, queimei suas roupas, chutei o seu saco, cuspi nas suas cartas, desprezei seus amigos, escondi seus sapatos, incendiei sua casa, praguejei os seus planos, reneguei os seus sonhos, dei de maldizer as coisas lindas que você é, que você fez, que você foi, pra ver seu deixava de te amar,  pra ver se eu te deixava amar, pra ver se você deixava de me amar.