quinta-feira, 29 de agosto de 2013

calendário

esperava a eternidade de agosto, agora me amarro, seguro, me apego aos dias que sobraram. aonde se escondeu o mês? tantos planos, tão pouco tempo. desespero é ver passar tudo tão rápido assim, e nem sentir. escorrem os dias. penso eu não dormir. venta demais. acho setembro difícil. fiz uma lista numerada de coisas pra se fazer antes de outubro, mas outubro é amanhã. toda a conjunção astral me sacaneando. não estou pronta pra mudar de ano, antes de mudar de mim.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

dispositivo

tá na hora de alguém inventar um dispositivo acoplado à todas as coisas da vida em que você aperte o botão específico daquele objeto e ele se teletransporte, materialize, apite, brilhe, qualquer sinal que seja pra que você possa encontrar aonde ele foi parar. de sapatos à chaves, brincos, roupas, dinheiro, casaco, documento, caderno, remédio, lápis, aquela coisa que você estava na mão à dois segundos atrás e simplesmente desapareceu, garrafa d'água, pen drive, pente de cabelo, moeda, grampo, pessoas e quem sabe em mim mesma pra ver se fica mais fácil de me encontrar.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

valsa da calçada

eu não sei desviar das pessoas na rua. tudo piora exponencialmente quando tem guarda-chuvas envolvidos. faço contato visual de longe, busco um sinal de direcionamento da outra pessoa, tento me decidir pela esquerda ou direita, tudo em vão. quanto mais perto, mais indecisão. decido me entregar à escolha do desconhecido, ele que assuma os passos, o lado, a via. quando escolhido, é magnético e incontrolável, meu corpo tende ao encontro. se a pessoa vai pra direita, vou eu também. se é pra esquerda, te acompanho. e me flagro pensando (entre os dois-pra-lá-dois-pra-cá da dança do desvio) qual seria a reação da pessoa se por acaso eu a tomasse pela cintura, e a conduzisse na valsa da calçada. um empurrão? susto, surpresa, sorriso? acabo sorrindo eu, e pedindo desculpa - sou de libra, moça - e vou valsando sozinha.

hortelã

voltei pra casa carregando no rosto, um sorriso e nas mãos, o mais novo morador do apê dentro de um vaso vermelho simpático. na sala já vive um manjericão à dois meses que sobreviveu ao frio e ao inverno, com muito amor compartilhado, solzinho e água. agora o hortelã perfuma (levemente) de chá, a sala, e tem tanta flor, tanta planta, tanto verde, que é quase primavera aqui dentro.

carapólia

das palavras da minha vó: carapólia
adjetivo neutro

1. pessoa sem escrúpulos, atrevida
2. cara-de-pau
3. sem vergonha
4. cínico, descarado

pode ser usado de forma carinhosa dependendo do grau de intimidade das pessoas envolvidas

domingo, 18 de agosto de 2013

tempo

acidez é inevitável. o tempo não nos faz mais doces ou dóceis. não tenho medo da velhice, da ausência ou dos domingos. nem do silêncio, dos anos, da gravidade ou do vazio. é o amargo que me bota medo. amargar é inaceitável. me bordei delicadezas pra não esquecer. a patrulha do sensível, do mínimo. sinto que já perdi um tanto de doçura ou de sonho. conservo o agridoce. acidez crescente com os anos. não tenho medo do tempo, mas o tempo insiste em conservar o meu medo do escuro.

sábado, 17 de agosto de 2013

sentidos

onze horas de sono, vários sonhos. entre dinossauros, memórias de infância e militância travesti, sonhei que as pessoas tinham três rostos, ao invés de só um. compartilhavam o mesmo corpo, o mesmo pescoço, uma só cabeça. três rostos, seis olhos, três bocas, três narizes e só um par de ouvidos, o que tornava as conversas um tanto complicadas e embaralhadas (as bocas, às vezes, se confundiam e respondiam perguntas dirigidas à outras, todas ouviam tudo, mas falavam separadamente).

os cortes de cabelo também eram diferentes, quase todos tinham as laterais raspadas, para não esconderem os rostos adicionais. era normal os relacionamentos serem de quatro pessoas, ao invés de duas, uma matemática difícil para entreter todos os rostos e só duas mãos por corpo. os mais aventureiros propunham geometrias e grupos de pesquisa em relacionamentos, tentando gerenciar a pluralidade da visão, olfato, paladar, para uma limitação de corpos e sentimentos, únicos, vários, e sentidos básicos, feito audição e o tato.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

cambalear

1. não andar direito (como os bêbados)
2. dar passos incertos como quem vai cair
3. vacilar sobre os pés, não ter apoio 
4. mostrar-se irresoluto, inseguro


classe gramatical: verbo intransitivo
tipo do verbo: regular
separação das sílabas: cam-ba-le-ar
letras: nove / vogais: a e / consoantesb c l m r
verbo escrito ao contrário: raelabmac
infinitivo: cambalear
gerúndio: cambaleando
particípio passado: cambaleado

pretérito perfeito: eu cambaleei, tu cambaleaste, ele cambaleou, nós cambaleamos, vós cambaleastes, eles cambalearam.

pretérito mais-que-perfeito: eu cambaleara, tu cambalearas, ele cambaleara, nós cambaleáramos, vós cambaleáreis, eles cambalearam

pretérito imperfeito: eu cambaleava, tu cambaleavas, ele cambaleava, nós cambaleávamos, vós cambaleáveis, eles cambaleavam

futuro do pretérito: eu cambalearia, tu cambalearias, ele cambalearia, nós cambalearíamos, vós cambalearíeis, eles cambaleariam

no indicativo cambaleia tu, cambaleie ele, cambaleemos nós, cambaleai vós, cambaleiem eles, mas eu, nunca.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

resposta

ensaio sempre o não, mas sem querer, sai sempre sim

dias

o fim do dia não é à meia-noite ou ao amanhecer. não acredito no tempo do relógio. o dia acaba quando a gente acorda. se não dormi nem acordei, ainda é hoje. os dias crescem, tem dois sóis, transbordam para o seguinte. os seguintes sempre tímidos, mínimos, reduzidos. te vi quando voltava pra casa. eu, indo dormir e você recém-acordado.

(eu era ontem e você hoje; eu era hoje e você amanhã)

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

coisas que não tem fim

bagunça no quarto, sono, a estrada até a casa da minha vó, saudade, capacidade das coisas darem errado, preguiça, borracha, vergonha alheia, segredos, indecisão, fome, mar, areia-movediça, buraco negro, gente burra, o filme e o vento levou, céu, espaço, as dimensões cósmicas esotéricas intergaláticas, saliva, ar, playlist com mil horas ininterruptas de música ruim, vontade de tomar cerveja ou milkshake, tempo, areia, vidas passadas, amor, tristeza também não tem fim.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

potência

inventei uma palavra/número entre o três e o cinquenta e sete, para ser minha. tem quatro sílabas, é agridoce, aveludada. pode medir a distância entre o mar e saturno, ou entre a boca e o nariz. serve para dizer que você está sentindo duas coisas diferentes ao mesmo tempo, como saudade e dor nas costas, ou leveza e vontade de espirrar. ajuda a calcular 3vazio, silêncio+2, ou amor¹³. para os números, é palavra. para as palavras, número. é tudo e nada. é transparente, quase-segredo, feito o tempo.

sábado, 3 de agosto de 2013

volta

fiz promessa
mágica
macumba
simpatia
contratei o trago o amor perdido em dez dias
(in)úteis
pedi pra iemanjá
pros orixás
te fiz canção
sinsalábim
teletransporte forçado involuntário
bebi nós dois
fiz reza
abri mão das sonecas da tarde
e do chocolate pelos próximos três anos
te trouxe flores
fiz carnaval
(todas as nossas fotos em porta-retratos
mil pregos martelados na parede)
bordei desculpas
contei pra máquina de escrever todas as suas mentiras
fui de joelhos até bahia
parei de beber
não sambo mais
prometo raspar meu cabelo
rasgar todos os meus vestidos
andar descalça por um ano inteiro
esqueço todos os seus erros se você voltar
pra você voltar

mas você não aparece


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

sim

coberta (casulo)
escondi o corpo
máquina do tempo primitiva
será que seu deitar aqui em silêncio volto uns anos?
uns dias?
quiçá séculos

esconde
mas ainda entra luz
eu consigo ver suas mãos
mas não as minhas

me teletransportar
satéliteficar

meu amor,
estamos morrendo de sede
peixes, plantas, paredes
saudade anda seca
sedenta
traz um rio
pra nos banhar
traz o mar
pra eu engolir

até as flores desistiram de ser plástico,
queriam viver

vive
como se nunca houvesse amado
mas é mentira,
eu sei